Mandí: “São os rios que demarcam territórios”
Apesar do que nos é frequentemente ensinado, não são as linhas desenhadas nos mapas oficiais que demarcam os territórios - e que muitas vezes são feitas de formas arbitrárias -, e sim o modo de vida que os seres vivos que os habitam têm em relação a ele. E é assim que os rios demarcam territórios, são eles começos, caminhos e fins.
Na Amazônia, guardiã do maior sistema hidrográfico do planeta, localizar os territórios a partir das Bacias Hidrográficas é uma ferramenta estratégica, às vezes até mais eficaz do que pensar em termos de bairros ou mesmo cidades. Porém, se ainda predomina o senso comum de demarcação, como então as águas são vistas nas políticas públicas?
Enxergar os corpos hídricos apenas como um recurso é monetizar um bem comum. Mas para quem vê os rios como o coração da cidade, essa narrativa não faz parte da sua identidade. Sendo assim, a Mandí convidou pessoas a pensar numa narrativa coletiva de território, uma que (re)conecte e inclua pessoas e águas.

Fotos: Tamara Mesquita/Acervo Mandí
No mês de junho, enquanto a cidade discutia e segue discutindo a logística para receber o maior evento climático do mundo - a COP 30 -, nós promovemos encontros entre moradores de diferentes lugares de Belém e Região Metropolitana para debater atuação territorial buscando justiça climática na Amazônia, tendo como metodologia a nossa Cartografia Social, ferramenta desenvolvida para ajudar pessoas a olhar e entender seus territórios a partir das Bacia Hidrográficas.
Durante as oficinas, um sonoro aviso ecoou em nós: “aparecer no mapa é também um ato político”. Essa percepção promoveu debates profundos e a constatação de que a exclusão cartográfica gera exclusão política social. Trazendo a certeza que nossas narrativas devem ter isso como ponto fundamental da luta por justiça climática e direito à cidade.
As oficinas, divididas em dois momentos, convidaram os participantes a conhecerem a história dos seus territórios. Primeiro através deles mesmos, percebendo-os como agentes de transformação a partir de suas vivências e conexões com os locais em que vivem. Depois por meio da memória, usada como um dado para o mapeamento. Por fim com a observação, afinal o presente também pertence à história desses lugares, por isso os participantes observaram e compartilharam coletivamente os impactos nos rios e comunidades que estão recebendo obras públicas e projetos urbanos, principalmente os conectados à COP 30.

Um momento simbólico das oficinas foi ministrada por uma moradora da Ilha de Caratateua, localizada na região insular da cidade de Belém e que tem sido alvo de opressões e invisibizações decorrentes de obras e decisões que permeiam o avanço da arquitetura cinza e do “progresso” baseado no apagamento e exploração de pessoas e recursos naturais.
As reflexões coletadas deram vida a um mapa afetivo, um “rio do tempo”, que marca passado, presente e futuro, traduzidos em nascentes, afluentes e foz de nossos rios, respectivamente. Nele foram registrados vivências, histórias, percepções e lutas do presente e desejos por novos futuros.
Sobre a Mandí e o projeto TerritóRios
A Mandí é uma organização de Belém do Pará que mobiliza juventudes periféricas da Amazônia pela defesa dos rios urbanos, com foco em adaptação climática e saneamento. Faz parte da rede de parcerias do projeto TerritóRios, uma iniciativa da ActionAid que trabalha para fortalecer comunidades, lideranças e defensoras de direitos humanos e ambientais para enfrentar o racismo estrutural e ambiental e a desigualdade de gênero, por meio da produção cidadã de dados, da incidência política e do desenvolvimento de mecanismos de proteção.