Proteção aos defensores dos direitos humanos e educação climática são pautas de destaque na primeira semana de COP30
Enquanto a agenda climática era definida na Blue Zone da conferência, espaço limitado e reservado somente a credenciados e autoridades, muito foi pautado em outros lugares de livre acesso, onde a sociedade civil se debruçou em trocas e conversas para fomentar os debates em torno das grandes decisões. Na primeira semana de COP30, a ActionAid esteve presente com suas representantes em vários lugares para demarcar posicionamentos importantes no que tange a justiça climática. O destaque foi para os painéis “Fortalecendo Redes pela Justiça Ambiental: O Papel do Acordo de Escazú” e “Educação Climática: saberes que transformam”.
“Ouso dizer que queremos mais que justiça ambiental, mas democracia ambiental.”
O Movimento Escazú é uma aliança de mais de 40 organizações, redes e movimentos, que foi criada em maio de 2023 para promover o Acordo de Escazú. O tratado internacional entre a América Latina e o Caribe foi o tema principal do primeiro painel que aconteceu no início da tarde do dia 12 de novembro, na Casa das ONGs, em Belém.
Iniciando a programação, estavam presentes Rubens Harry Bor (Movimento Escazú), Débora Maria Carvalho (Transparência Internacional), Oona Nupef (Instituto Nupef) e Maitê Gauto (Oxfam Brasil). A mediação foi de Caroline Mendonça, Consultora em Metodologias Participativas e Justiça Racial na ActionAid.
Após a mediadora incitar o público a buscar saber mais sobre o acordo, ela explicou que ele pode ser considerado uma lei inovadora, por assegurar a proteção de defensoras e defensores ambientais. Em seguida, Rubens, único brasileiro que acompanhou as negociações durante os encontros que estabeleceram o Acordo, destacou os principais pontos do tratado: acesso à informação, direitos de participação, acesso à justiça e proteção e segurança de defensores/as. Sua fala “Ouso dizer que queremos mais que justiça ambiental, mas democracia ambiental.” deixa claro que o movimento busca defender a vida, a democracia e o futuro do planeta. O desafio é que o Brasil ratifique o Acordo, juntamente com 18 países que já ratificaram, ou seja, que já se comprometeram a implementá-lo. No momento, cabe ao Congresso Nacional a aprovação.
Débora Maria Carvalho, da Transparência Internacional, ressaltou como pesquisas podem ser úteis para embasamento da ratificação do acordo. “Os dados nos sinalizam o estado das coisas e a partir disso, nós, da sociedade civil, fazemos uma coisa que chamamos de incidência política.”, instruiu ela ao falar sobre a pesquisa Índice de Democracia Ambiental, uma análise de como os estados da Amazônia Legal, o governo federal e outros órgãos da União promovem os direitos que embasam o Acordo.
Os dados apresentados por Débora revelam: quase não há divulgação em órgãos oficiais de informação sobre conflitos fundiários, demarcação de terras de territórios quilombolas e indígenas, cadastro de propriedade rural, autorizações para desmatamento, dentre outros temas correlatos; baixa inclusão dos grupos vulneráveis nos conselhos participativos, além da ausência de documentos sistematizados e que retornem para a população; proteção precária de defensores/as, considerando que só o Pará e o Mato Grosso possuem programas estaduais regulares, ainda que sem mecanismos para defender mulheres, especialmente negras, e indígenas — os mais afetados.
Oona Nupef, do Instituto Nupef, defendeu não precisarmos de mega data centers e mega empreendimentos para a reunião de dados em torno do território. ”O Movimento Escazú Brasil está fazendo milagre considerando que a situação do nosso Congresso é absolutamente conservadora.”, frisou ela. “Um pilar muito importante da democracia são os direitos coletivos. Não é uma questão exclusivamente sobre a ameaça ao indivíduo, mas estamos protegendo o meio ambiente, incluso às populações que estão nesses territórios.”, contextualizou.
O painel ainda foi palco de denúncia feita por Maitê Gauto, da Oxfam Brasil: “Vimos de maneira muito triste ontem o governador do Pará assinando um contrato com uma mineradora no momento em que a COP30 está acontecendo.”. O lamento revela uma necessidade:
“Quem é culpado pela crise precisa ser responsabilizado pela conta. Isso faz parte da nossa agenda tributária. A gente tem um cenário onde o Brasil é o país que mais mata defensores dos direitos humanos e dos direitos ambientais. O Acordo de Escazú vem de maneira muito estratégica.”
Teko porã - pela busca do bem-viver
O segundo momento do painel foi composto por representantes dos territórios: Kimberly Silva (Palmares Lab), Sabrina Cabral (Ruma), Amirele Porto Machado (ID Global) e Anne Heloise (Centro Brasileiro de Justiça Climática, CBJC). Elas apresentaram o que estão fazendo localmente para garantir o necessário entendimento do Acordo de Escazú.
Dentre tantos desafios, ainda é preciso combater as fake news. “O acordo estava sendo vendido como algo maléfico, e eu acho que aqui está a nossa ação. A gente precisa continuar criando projetos de multiplicação de saberes, descer desses lugares engessados e ir para a realidade desses territórios”, relatou Kimberly.
Em sua comunidade, criaram uma roda de conversa sobre o Acordo em que conseguiram conectar 16 lideranças. “Conseguimos algo inusitado que foi compartilhar a emoção. Quando a gente reuniu as lideranças e fizemos ciclos de cultura, vimos que somos atravessados pelo medo, mas também pela esperança. É nessa esperança que a gente precisa sempre se encontrar e criar redes de identificação. Todas essas redes são diferentes e é interessante ver como a gente consegue se engajar na diferença.”, encaminhou a diretora regional da Amazônia do Palmares Lab.
Já Sabrina Cabral ressaltou a importância do exercício de um tipo específico de educação nas comunidades: “Não o processo técnico-educativo, mas o processo educativo libertador, acolhedor e com propósito pedagógico.”
A pesquisa de Amirele Porto Machado, Guarani Kaiowa e Terena, indicou que as lideranças indígenas enfrentam os efeitos da criminalização secundária: “Quem aplica a lei escolhe quem eles vão etiquetar para serem considerados os criminosos.” A pesquisadora denunciou que o seu território, Aldeia Jaguapiru (Mato Grosso do Sul), foi atacado em novembro do ano passado porque a comunidade estava reivindicando por água. A esperança é que o Acordo de Escazú represente a possibilidade de bem-viver, sem a criminalização dos povos indígenas e sem a morte de quem os protege.
Ao final, Anne Heloise, do CBJC, apresentou como o centro proporcionou a formação de mulheres quilombolas rumo à COP30, qualificando o debate para as participações na conferência.
Educação climática dentro e fora da escola
Mais tarde do mesmo 12 de novembro, no auditório Uruçu na Green Zone, foi a vez do painel “Educação Climática: saberes que transformam”, com a presença de Rayane Alves (Secretaria de Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro), Sandra Sérgio (Fundação Roberto Marinho), Shaik Imran Hussain Choudhary (Constituency das Crianças e Jovens, YOUNGO, da UNFCCC) e Ana Paula Brandão, Diretora Programática da ActionAid.
Nessa programação o propósito foi de compartilhar as experiências em cada instituição, a fim de se enfrentar a crise dos direitos das crianças e adolescentes, especialmente, daquelas que vivem em contextos marcados por múltiplas vulnerabilidades. Debater o papel estratégico da educação climática para a formação de cidadãos(ãs/es) foi o que guiou as questões trabalhadas no painel.
O painel avançou trazendo experiências concretas de quem está na linha de frente da educação climática nos territórios. Rayane Alves, da Secretaria de Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, abriu sua fala lembrando que nada do que é construído nesse campo acontece sem disputa. “Temos lutado muito por esse espaço”, reforçou. Ela apresentou o trabalho do Núcleo de Educação Ambiental da secretaria, que atua diretamente com comunidades periféricas do Rio de Janeiro, promovendo oficinas, processos formativos e profissionalização, sempre em diálogo com lideranças e moradores.
A seguir, Sandra Sérgio, da Fundação Roberto Marinho, apresentou a metodologia “Intuir para Transformar”, que orienta os programas educativos da instituição. Ela trouxe um dado que escancara a urgência do tema: cerca de 50% da população brasileira lê, mas não compreende o que lê. “Quando a gente pensa na população periférica, precisamos imaginar como a informação chega. Como colocamos essas pessoas no centro da educação climática?”, questionou. Para Sandra, interpretar dados e desenvolver senso crítico é condição para as pessoas poderem cobrar do poder público ações e políticas que garantam segurança e dignidade — seja permanecendo em seus territórios, seja podendo sair deles. A Fundação tem se dedicado à educação de jovens e adultos que, por múltiplas desigualdades, ficaram à margem da escola: “É sobre contribuir com a igualdade populacional e fazer com que essas pessoas possam se entender como vítimas das condições climáticas, mas também como agentes.”
Do cenário internacional, Shaik Imran Hussain Choudhary, representante da YOUNGO na UNFCCC, reforçou que temas ligados à ecologia deveriam ser parte estruturante das escolas. “As pessoas ouvem, mas como elas compreendem? As soluções são criadas por pessoas que trabalham em lugares pequenos. Precisamos envolver todo mundo no processo de decisão”, pontuou. Ele ainda reforçou que o engajamento acontece quando as crianças são parte ativa da construção: “Nós não dizemos o que elas devem fazer. Damos as ferramentas. Deixamos as lacunas para elas preencherem.” Ele relatou que, ao aprenderem a plantar, cuidar e comercializar, as crianças compreendem melhor os sistemas e desenvolvem reciprocidade. “Nós não fazemos soluções para crianças; incluímos as crianças nas soluções.”
Por sua vez, Ana Paula Brandão, Diretora Programática da ActionAid, apresentou o processo de construção do Glossário Pequenos Grandes Saberes. A organização atua há 26 anos no Brasil, sempre com parceiros em diversos territórios, e o glossário nasceu da escuta com crianças e adolescentes sobre como a crise climática atravessa suas vidas e comunidades. Ana Paula destacou que, apesar de o conceito de racismo ambiental ser ainda um campo em disputa, é evidente que a condição climática no Brasil é marcada pela raça. “O que essa criança entende? Como ela, ouvindo e vivendo os sistemas no dia a dia, interpreta isso no cotidiano?”, perguntou. O processo formativo devolveu às crianças a centralidade do diálogo: elas disseram, desenharam, escreveram e ressignificaram verbetes a partir das próprias vivências. “É um convite ao diálogo entre sujeitos de direito. Um diálogo de verdade”, reforçou Ana Paula. A Diretora concluiu lembrando que a educação climática é urgente e deve nascer do território: “Não pode vir pronta. Precisa se adaptar à realidade de cada um e de cada uma.”
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